A coleta das castanhas gera renda sustentável ao povo Kayapó. Foto: Simone Giovine |
Em 2012, a engenheira florestal Patrícia Cota Gomes
participou da I Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais, na Aldeia Mojkarakô.
Representando o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e
Agrícola), instituição com sede em Piracicaba (SP) da qual é coordenadora de
projetos, na época ela apresentou aos Kayapó uma ideia ainda em construção
chamada Origens Brasil, que criaria um selo de identificação de origem e valorização
de produtos agroextrativistas de povos tradicionais e indígenas. Em 2016, ela
voltou à mesma aldeia para a segunda edição da Feira de Sementes, desta vez
para contar os primeiros resultados da iniciativa, em andamento desde o mês de
março. “Em 2010 o ISA convidou o Imaflora para apoiar a região da Terra do Meio
na busca de soluções para promover a valorização de populações tradicionais e
de sua cadeia de produtos da biodiversidade. As comunidades tinham o desejo de
voltar a ter orgulho da sua cultura e produção tradicional. Na época, as
atividades ilegais e predatórias na região (como o garimpo e a madeira ilegal)
se mostravam mais atrativas do ponto de vista financeiro do que as atividades
tradicionais, que conservavam a floresta. Era um desafio”, relembra Patrícia.
O selo Origens Brasil foi criado com o objetivo de
reconhecer os produtos provenientes de um novo conceito, que são os Territórios
de Diversidade Socioambiental – aqueles que contam com um corredor de áreas
protegidas com expressiva diversidade socioambiental e possuem cadeias
produtivas estruturadas e em operação, além de instituições atuantes,
articulações e espaços democráticos em diálogo com as populações tradicionais e
indígenas que neles vivem. “O Xingu é um território com um enorme patrimônio
socioambiental e possui uma governança estabelecida para a produção. Por isso,
foi o primeiro território, de outros que virão, a ser reconhecido pelo Origens
Brasil”, conta Patrícia.
Patrícia Cota Gomes, do
Imaflora, apresenta o Selo Origens Brasil aos Kayapó durante II Feira
Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Foto: Simone Giovine/AFP
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O selo conecta produtores, compradores e
consumidores finais, criando mais transparência na relação comercial entre eles.
Os primeiros disponibilizam todas as informações sobre seus produtos na
plataforma (www.origensbrasil.org.br), acessada pelos últimos por meio de um QR
Code impresso nas embalagens, acompanhado da frase “Este produto respeita a diversidade
socioambiental do Xingu”. Com isso, o selo garante a origem e rastreabilidade
do produto, permitindo ao consumidor conhecer o território de origem, as
pessoas que coletaram a produção e pra quem foi vendido. O selo ainda irá
monitorar, por meio de um sistema de monitoramento de impacto, a contribuição
do Origens Brasil para a manutenção da diversidade socioambiental dos territórios
e a comercialização ética, assegurando que as relações comerciais foram
realizadas por meio de diálogo entre empresas e comunidades, com pagamento a
preços justos, de forma a respeitar e valorizar o modo de vida das populações
tradicionais e povos indígenas.
O Xingu é o primeiro território compreendido pelo
Origens Brasil. Até o momento, 12 instituições locais, comunitárias e indígenas
aderiram ao projeto junto ao Imaflora, gestor da iniciativa. Dessas, fazem
parte do Comitê Territorial do Xingu o ISA (Instituto Socioambiental), o
Instituto Kabu, a AFP (Associação Floresta Protegida), a Atix (Associação Terra
Indígena Xingu) e a AMORA (Associação dos Moradores da Reserva Extrativista do
Anfrísio). As outras são COOBAY, Amoreri, Amomex, Povo Xipaya, Povo Kuruaya,
Povo Xikrin e Instituto Raoni. O território da Calha Norte será o próximo a ser
inserido na iniciativa, em 2017, e, assim como o Xingu, possui grande
relevância pela sua dimensão e atributos socioambientais, abrangendo 70
municípios nos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, onde vivem
quilombolas, indígenas e extrativistas e encontra-se uma diversidade enorme de produtos
associados à cultura destas populações.
Cacique Raoni Metuktire com as castanhas Kayapó do Projeto Origens Brasil Foto: Simone Giovine/AFP |
Podem aderir ao selo produtos do extrativismo (como
óleos vegetais, resinas, sementes, frutos, folhas, exsudatos, raízes), produtos
agroextrativistas de roças tradicionais (como farinha, pimenta, amendoim, mel)
e produtos da cultura (como cestaria, grafismos, desenhos estampados em
objetos, peças de vestuários, bijuterias). Não entram, por enquanto, madeira,
pescado, pecuária e produtos agrícolas de roças não-tradicionais. No total, já são
245 produtores em 38 grupos registrados na plataforma, e cinco empresas aderidas
no projeto: Wickbold (com os pães Grão Sabor, que levam castanhas do Pará), a
Firmenich (óleo de copaíba) e a Mercur (borracha natural), as três com a
matéria-prima dos extrativistas das Resex da Terra do Meio; o Grupo Pão de
Açúcar, pelo Programa Caras do Brasil (com o mel do Parque Indígena do Xingu,
que foi o primeiro produto indígena nacional a receber o certificado de
inspeção federal - SIF - e o selo de produto orgânico); e a Tucum (com artesanato
indígena de diferentes etnias).
“Pensamos em nosso selo para que o kuben
(não-indígena) veja nossa história. Porque nós tiramos nossa castanha e não
sabemos para onde ela vai. E o kuben também não sabe de onde ela veio quando a
compra”, diz David Atydjaree, representante Kayapó no projeto. Quando o
consumidor digita o código da castanha no site, é direcionado a uma página com
informações sobre o Território Kayapó, o número de pessoas beneficiadas com a
relação comercial, os extrativistas indígenas responsáveis pela coleta e onde e
como a mesma é feita, com o auxílio de mapas e fotografias. Vai descobrir, por
exemplo, que “a coleta da castanha é uma atividade que representa não apenas
uma das opções mais promissoras para a geração de renda sustentável, mas também
uma complementação da dieta alimentar indígena, além da oportunidade de
promover e valorizar as práticas da cultura Kayapó”, assim como “se o corredor
do Xingu não existisse, os brasileiros teriam que conviver com 1 bilhão de
toneladas de CO2 a mais na atmosfera”.
Confira vídeos do projeto:
Texto: Ana Ferrareze